quinta-feira, 27 de agosto de 2009

EDUCADORES: LEIAM ESSE DISCURSO PROFERIDO POR CRISTOVAM BUARQUE SOBRE NOSSA EDUCAÇÃO ATUAL!!! VALE MUITO A PENA!!

Fonte: Jornal do Senado de terça-feira, 2 de junho.

Leia, abaixo, a íntegra do discurso do senador Cristovam Buarque de segunda-feira, 1º de junho.

Sr. Presidente,
Srs. Senadores,

Vou falar um pouco na linha do que falou para nós, no começo desta tarde, o Senador Paulo Paim, apenas tentando responder por que e o que fazer.
O Senador Paulo Paim chamou a atenção aqui, de maneira muito correta, eu diria mesmo de maneira brilhante, para aquilo que tem saído nos jornais e nas revistas, especialmente na IstoÉ desta semana, sob o título de “Profissão de Risco”.
Quem apenas lê essa manchete, Senador Eurípedes, pensa que profissão de risco deve ser a dos PMs nas ruas, nos morros do Rio de Janeiro; ou deve pensar que é a profissão dos astronautas lá no espaço; ou, quem sabe, a profissão dos trapezistas, dos domadores de animais bravios.
Não, profissão de risco é a profissão de professor no Brasil. Esta é a matéria de duas páginas na revista IstoÉ, que começa com a frase de uma professora, dizendo: “Vou mais um dia para a escola, desanimada e certa de que as aulas não serão dadas. Quando chego à porta da sala tenho vontade de sumir”.
A professora do ensino fundamental, a mineira Áurea Damasceno, escreveu essa carta endereçada à Secretaria de Educação de Belo Horizonte. A professora Áurea é uma dos quase dois milhões de professoras e professores que hoje, no Brasil, quando acordam para ir dar aulas, sentem que vão a uma profissão de alto risco, com a sensação que elas têm de que representam 67,6% dos educadores que dizem que suas autoridades ficaram mais fracas nos últimos anos.Vejam bem, 67% sentem que sua autoridade ficou mais fraca nos últimos anos.

Sr. Presidente, acho que vale a pena a gente perguntar o porquê dessa degradação, Senador João Pedro. Eu resumo isso com uma frase: a escola descolou e, ao descolar, caiu na tragédia. Vou listar alguns dos descolamentos entre o passado e o presente.

O primeiro descolamento – não por ordem de importância – é o salarial. Todos falam que professor ganha pouco, mas há algo muito mais grave: os outros passaram a ganhar muito mais que eles. Houve um descolamento, Senador Mão Santa, entre a política salarial do magistério e a política salarial das outras categorias deste País, tanto no setor privado quanto no setor público. Dizem que professor ganhava mais antes. Talvez nem seja tanta verdade do ponto de vista do valor real do salário, mas é absolutamente verdade do ponto de vista do valor relativo do salário do professor e do salário das outras categorias. Comecemos aqui, com a categoria parlamentar, comecemos conosco, Senadores. Olhem, não tenho os números comigo, mas o número de vezes que o salário do Senador de 50 anos atrás era maior que o salário de professor não era igual ao de hoje – e desafio os pesquisadores a verem isso, já que não tive tempo de ver, porque decidi falar nesse assunto, quando ouvi o Senador Paim.

Houve um descolamento. Não se trata apenas dos Parlamentares: todas as categorias, praticamente, aumentaram seus salários numa velocidade maior que os professores. O mais grave, Senador Pedro Simon, não é que os professores hoje ganham menos que antes, mas que os outros hoje ganham muitas vezes mais que os professores. E o que vale na vida social é o salário relativo, não é o salário absoluto apenas. Esse descolamento entre o salário do professor em relação ao salário dos juizes, ao salário dos parlamentares, ao salário dos funcionários públicos em geral é uma das causas dessa crise que atravessa a educação brasileira. Mas pode-se dizer: essa não é a causa da violência nas escolas. É que houve, Senador Pedro Simon, um descolamento total nos equipamentos das escolas em relação aos outros setores da vida de hoje.

Nesses últimos 50 anos, as crianças deste País mudaram completamente. Hoje, as crianças nascem e crescem, vendo uma coisa chamada efeito especial e assistindo à aula num quadro-negro com giz. Não é possível ter uma sala de aula disciplinada com quadro-negro e giz para crianças acostumadas ao efeito especial. Elas assistem, todas as noites ou quando vão ao cinema ou pelo videocassete, ao sistema solar em movimento e em cores e, quando chegam à sala de aula, o professor faz um pontinho de giz e diz: “Isto aqui é o sol”; faz outro pontinho e diz: “Isto aqui é a Terra”; faz outro pontinho de giz e diz: “Isto aqui é a lua”; aí faz algumas voltas e diz: “Isto aqui são as órbitas da lua e da Terra”. Há aluno que aguente uma coisa dessa?

Houve um descolamento do ponto de vista do equipamento das escolas. Comparem como eram os bancos há 30 anos e as escolas; comparem como são hoje os bancos e as escolas, e vocês vão ver o descolamento que houve. O avanço técnico chegou a todos os setores, mas não chegou às escolas. Elas ficaram descoladas da realidade, do avanço técnico que hoje domina a sociedade, que nos embeleza, que nos fascina e que não fascina nas escolas.

Se alguém fosse dormir há 30 anos e acordasse hoje, não reconheceria um banco; não reconheceria um shopping; não reconheceria uma casa lotérica, mas reconheceria uma escola. A escola descolou do avanço técnico. A escola descolou também da qualificação. O professor descolou da qualificação.
Trinta anos atrás, o profissional mais qualificado de uma pequena cidade era o professor. As outras profissões avançaram, qualificando-se, e deixaram os professores para trás. Obviamente, isso está relacionado ao descolamento dos salários.
Em cada cidade, hoje, há funcionários do Banco do Brasil muito preparados, há funcionários da Receita muito preparados, há médicos muito preparados, mas não há mais professores preparados, relativamente, como eram antes, quando se comparava com as outras profissões.

As demais profissões foram mudando na qualificação. O professor não se foi qualificando na mesma proporção. Isso tem a ver com os equipamentos que eles nem usam e tem a ver com os salários que eles recebem. Aliás, esqueci-me de dizer que o plenário do Senado de hoje não tem nada a ver com o de 30 anos atrás. Senador Simon, que está aqui há mais tempo, tinha-se microcomputador na mesa, há trinta anos? Não se tinha. Hoje, continua sem se ter nas escolas, mas os Senadores têm. Não se tinha televisão ao vivo, transmitindo os nossos discursos, há trinta anos, mas hoje se tem. As escolas continuam sem ter televisão e computador. Houve um descolamento das escolas em relação ao salário, à qualificação, aos equipamentos.

Hoje, um jornalista tem de ter diploma, teve de se qualificar. Hoje, cada profissão está qualificada: tem-se de fazer curso universitário, tem-se de ter diploma. O professor, por incrível que pareça, continua sem a exigência do diploma. Nós descolamos o processo de qualificação e a formação dos professores. Mas descolamos outra coisa também, descolamos a qualidade dos prédios. Não havia os palácios da Justiça que existem hoje. Antigamente, não existiam os palácios maravilhosos, suntuosos, dos Ministérios Públicos espalhados por este País. Hoje, todas as entidades têm os seus palácios, mas as escolas continuam da mesma maneira e até com pior qualidade do que há 30 ou 40 anos. Houve um descolamento na qualidade do prédio da escola com o presente que é oferecido às outras entidades do setor público. E a gente ainda acha estranho que nas escolas os alunos se comportam mal; que às escolas os professores vão, como se fossem para o sacrifício.

Nós temos todo o direito e a obrigação de nos indignarmos, mas não de nos surpreendermos. Basta observar um pouquinho como o avanço técnico, como as vantagens econômicas foram chegando a cada setor da economia, a cada setor da sociedade e deixando a escola descolada, para trás, abandonada.

Nós não temos o direito de estranharmos a carta da professora. Nós temos a obrigação de nos indignarmos que uma professora não acorde hoje e diga: “Hoje é dia de aula. Felizmente vou estar com os meus meninos e meninas, ensinando-lhes como construir o Brasil”.
Nós temos o direito de nos indignarmos, porque isso não acontece hoje. As professoras e os professores acordam e ficam tristes, porque vão dar aula. Temos o direito e a obrigação de nos indignarmos, mas não de nos surpreendermos, porque essa é a realidade de uma entidade que descolou em relação ao que avançava – descolou nos salários; descolou nos equipamentos; descolou nos prédios; descolou na qualificação; e, em conseqüência disso tudo, descolou também no prestígio.

Todos lembram que, antigamente, até ser casado com professora já dava status numa cidade. Hoje a gente sabe que o professor não é tratado com o prestígio que deveria. Mas não é só porque tem menos prestígio, mas porque nós passamos a reconhecer mais prestígio nas outras categorias sociais. Nós passamos a dar muito mais prestígio a novas profissões que foram surgindo ao longo do tempo, aos artistas que foram surgindo no tempo, aos futebolistas que foram surgindo.

Nós fomos dando muito mais prestígio aos universitários que não existiam antes, que passaram a existir em grande número, o que é uma vantagem para o Brasil. Mas só seria de vantagem plena se nós déssemos prestígio também aos professores. Nós descolamos o conceito de prestígio do conceito de magistério. E essa talvez seja a maior tragédia da sociedade brasileira. Essa talvez seja a maior ameaça ao futuro do Brasil, o desprestígio descolado da entidade escola: da entidade escola no que se refere ao magistério, da entidade escola no que se refere aos servidores administrativos. Descolado na escola no que se refere à qualidade do prédio, descolado no que se refere ao equipamento, descolado, inclusive, na quantidade de tempo que uma criança fica na escola, porque, antigamente, ficava, pelo menos, das oito às doze. Hoje, deveria ficar das oito às seis da tarde, mas fica das oito às dez, porque, terminada a merenda, a maior parte da população pobre de alunos nas escolas públicas do Brasil vai para casa porque considera que a escola é um restaurante-mirim.

Então, uma entidade que se transforma de escola em restaurante-mirim descola do seu prestígio. Esse descolamento é que é a causa de praticamente tudo que vem acontecendo de negativo na educação brasileira. E é a cara do que vai acontecer de ruim na sociedade brasileira. Quem quiser ver o futuro de um país não precisa ser vidente, basta olhar como é a escola pública de hoje. O futuro de um país tem a cara da escola que esse país tem no presente.

Escola bonita, bem equipada, professor alegre, crianças disciplinadas, contentes e aprendendo hoje é um futuro bonito para o País. Escolas feias, caindo aos pedaços, sem equipamentos, com professores descontentes, com crianças indisciplinadas hoje é um futuro feio para o País que a gente vai ver. Essa, talvez, seja uma das poucas coisas que não precisa ser vidente para perceber, para conhecer. Se a escola está descolada, o futuro do País vai estar descolado dos nossos desejos também. Não haverá sintonia entre o que a gente deseja para o futuro do País e a realidade desse futuro se, no presente, a realidade desejada para uma escola está descolada da realidade como a escola é.

Coloco ainda como um descolamento, para concluir, Senador, a ideia do descolamento com o próprio conhecimento. Houve um tempo, e não muito distante, em que o conhecimento saía da escola. Houve um descolamento. Hoje, o conhecimento não sai mais apenas da escola. A criança vê televisão, a criança vai ao judô, ao caratê, à ginástica, à natação. O conhecimento não está mais dentro da escola, porque a escola não é em horário integral, e hoje em dia o conhecimento tem variáveis muito maiores do que no passado. Então, a escola se descolou até mesmo do conhecimento de que era o centro de geração. Hoje a escola não é mais o centro de geração. E aí a gente reclama quando vê a escola desmoralizada, os professores assustados, desmotivados e descontentes.

Finalmente, o último descolamento, Senador, é o descolamento da escola com o Orçamento público.
Este País está pensando em reservar R$30 bilhões para uma Olimpíada que nem foi decidido ainda se vem para aqui. E ninguém pergunta de onde vem o dinheiro. Já estão sendo construídos todos os novos estádios, trens rapidinhos do aeroporto para os estádios, hotéis, e não falta dinheiro, por causa de uma copa mundial de futebol, que nós todos desejamos que venha para aqui.

Existe um PAC que prevê R$500 bilhões; existe um pré-sal que prevê R$500 bilhões. O Orçamento descolou da pré-escola e colou no pré-sal. Só que o pré-sal não vai gerar o futuro, até porque este País já teve muitos pré-sais. Já teve o açúcar; já teve o ouro; já teve a borracha; já teve o café; já teve a indústria automobilística. Tudo isso foi pré-sal que jogaram para nós como uma grande ilusão que nos faria, cada um de nós, emancipados da pobreza, e o País inteiro, emancipado do atraso; que faria o País civilizado, e cada um de nós com uma vida digna, decente, em uma sociedade igualitária. Já nos venderam muito pré-sal, e nenhum deles deixou o resultado que se esperava. Mais uma vez, estão nos enganando.

Isso quer dizer que a gente não deve explorar o pré-sal? Claro que deve, como tinha que explorar o açúcar, como tinha que explorar o café, como tinha que explorar o ouro, a borracha, mas sem enganar ninguém ao dizer que o futuro se constrói na economia. O futuro se constrói na pré-escola, no ensino fundamental, no ensino médio, na universidade e nos grandes centros de ciência e tecnologia, onde se gera a economia do conhecimento que o futuro vai precisar.

Hoje, o Orçamento público está descolado das escolas. Tem dinheiro até para escola técnica e universidades, mas não para uma educação de base, porque o dinheiro tem para viadutos, para viabilizar a indústria automobilística; o dinheiro tem para os bancos, para viabilizar a venda de automóveis, mas não tem o dinheiro necessário para garantir um salário digno para o professor e colar outra vez salários de professores com a dignidade que eles merecem.

Para colar os equipamentos modernos com a escola, precisa colar o orçamento com a escola. Para colar a qualidade do prédio com a escola, precisa colar o orçamento com a escola. Para colar cada um dos itens que foram descolados da escola nestas últimas décadas, a gente precisa colar o orçamento com a escola.

Nós temos o direito de nos indignarmos. Nós não temos o direito de não sabermos e nem temos o direito de não sabermos o que fazer para resolver.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT – DF) – Apesar do tempo já vencido, Senador Mão Santa, peço alguns minutos para concluir dizendo que esta Casa tem a obrigação de voltar a colar com a escola tudo aquilo que lhe foi tomado nos últimos anos: o prestígio, o salário, o equipamento, o prédio, a qualificação. Para isso, bastava a gente definir com clareza o que é que quer dizer escola, definir escola e acabar com a mentira de dizer que este País tem 200 mil escolas quando, na verdade, não chega a 30% o número das que a gente pode considerar escola nos dias de hoje. O resto não é.

Escola, em primeiro lugar, é um prédio que não tem nenhuma criança fora, todas as crianças dentro dela. Em segundo lugar, é onde os professores sejam bem formados, bem dedicados e bem remunerados. Cabeça, coração e bolso, essa é a santíssima trindade do magistério. Terceiro, onde os equipamentos sejam os mais modernos e onde o prédio seja bonito e confortável. E, quarto, onde fiquem, pelo menos, seis horas de aula, para que a escola possa colar-se com o conhecimento. Isso é escola.

Definido isso para uma, a pergunta é como fazer com que todos as 200 mil sejam desse jeito. Eu não vejo outro caminho a não ser aquele pelo qual eu me bato, insisto: a ideia de que precisamos federalizar a educação de base no Brasil. Não há como construir escolas, como elas devem ser hoje, nas mãos dos pobres prefeitos das nossas cidades. Nós temos que federalizar a educação de base. Federalizar com uma carreira nacional do magistério e com um programa federal de qualidade escolar e horário integral.

Isso é possível, Senador Mão Santa. Isso a gente já discutiu e vamos continuar discutindo, aqui, como fazer. Os recursos existem para isso. Custa muito menos do que uma Copa; custa muito menos do que uma Olimpíada; custa muito menos do que um PAC; custa muito menos do que um pré-sal e dá um resultado muito mais definitivo e muito mais orgulhoso para um país, que ao ler uma matéria, com uma carta como esta de uma professora, deve nos deixar não apenas com vergonha, mas com uma profunda tristeza, não apenas com ela, hoje, mas com o futuro que ela está descrevendo ao descrever a dor que ela sente, hoje, quando vai para a escola.

Professora, a senhora nos disse como será o futuro do Brasil ao dizer como é que a senhora se sente, de manhã, ao ir para a escola.
Era isso, Senador Mão Santa, que eu tinha para lhe dizer e a todos os Senadores.

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